13.8.07

Criminalização da pobreza e "limpeza urbana" no pós-Pan

Segunda-feira passada, 6 de agosto, o JB publicou uma matéria, na página A15, com a seguinte manchete: "Passado o Pan, moradores de Ipanema lutam contra mendigos". A matéria transparece e deixa evidente o discurso de "criminalização da pobreza" que tantas e tantas pessoas assumem. O objetivo da matéria é identificar o "aumento da população de rua, camelôs e catadores de lixo". Em certo momento, a presidente da associação de moradores de Ipanema diz que "o mais crítico, no momento, é a algazarra noturna provocada pelos catadores de lixo". Uma vendedora de loja em Ipanema "reclama que muitos deixam de olhar vitrines quando notam a presença de mendigos". Ela diz: "- Elas desviam o caminho o que, obviamente, atrapalha os negócios".

Fiquei impressionado com o tom da matéria. Essa impressão logo se tornou indignação. Como enxergar um catador de lixo - simples ser que está tentando sobreviver no caos do mundo, no caos da ordem social capitalista em que vivemos - e seu trabalho como uma “algazarra”? Como acusar um ser que de tão pobre precisa mendigar de ser responsável por atrapalhar negócios?

O homem não tem o mínimo reconhecimento de outro homem. Se algum dia o teve, perdeu. Em nome do lucro e da vida no melhor estilo american way, se esquece qualquer possibilidade de se enxergar enquanto parte de uma coletividade, e enxergar o outro como um ser humano. O outro é um problema, que deve ser detectado e resolvido para que cada um possa seguir sua vida, sem interferências em sua tranqüilidade sagrada.



Reportagem:

AbandonoPopulação de rua concentra-se nas duas praças do bairro

Passado o Pan, moradores de Ipanema lutam contra mendigos

Rachel Almeida

A Associação de Moradores de Ipanema vai reunir-se amanhã para discutir os crescentes problemas no bairro, como o aumento de população de rua, camelôs e catadores de lixo. Como o JB noticiou há 10 dias, quando o governo do Estado passou a fazer rondas em Copacabana, três meses antes do início dos Jogos Pan-Americanos, Ipanema começou a sofrer com a migração de mendigos e pedintes. Trechos das praças General Osório e Nossa Senhora da Paz estão entre os mais críticos. O secretário municipal de Assistência Social, Marcelo Garcia, diz que a prefeitura tem feito estudos sobre o problema e que não detectou a migração de mendigos.

- Durante o Pan, paramos as reuniões quinzenais porque seria inútil. Todos os órgãos públicos estavam envolvidos no evento – reclama a presidente da Associação dos Moradores de Ipanema, Maria Amélia Loureiro. – Agora, vamos listar os problemas para encaminhar aos responsáveis. O mais crítico, no momento, é a algazarra noturna provocada pelos catadores de lixo.

A professora de educação física Valéria Santoro, 40 anos, moradora de um trecho da Visconde próximo à Praça Nossa Senhora da Paz, sente-se mais insegura desde que notou o aumento de pedintes na região. Na tarde de sábado, o JB detectou a presença de moradores de rua na calçada em frente à Rua Joana Angélica, no trecho da Praça Nossa Senhora da Paz. Vendedora de uma loja na região, Taís Sperle, 24, reclama que muitos deixam de olhar vitrines quando notam a presença de mendigos.

- Elas desviam o caminho o que, obviamente, atrapalha os negócios – acredita. – Este trecho é um dos piores. Até a gente, quando sai da loja, fica com um pouco de medo.

Os lojistas do outro lado da praça, na Rua Maria Quitéria, tomaram suas providências.

- Eles contrataram seguranças para tirar os mendigos daquele pedaço – observou o vigilante Cristóvão Ferreira, contratado para tomar conta de um edifício em obras na Rua Barão da Torre. – Eu mesmo tenho de tirar os mendigos que começam a dormir em frente ao prédio.

Procurado, o prefeito Cesar Maia não respondeu até o fechamento desta edição. Segundo Garcia, a prefeitura está fazendo atualmente um estudo justamente para medir o aumento da população de rua na cidade. O estudo deverá ficar pronto em setembro e, segundo o secretário, teria detectado um aumento da população de rua em Copacabana e, principalmente, em Botafogo.

- A partir desse estudo teremos a dimensão do problema e poderemos mapear melhor nossas ações – anunciou.

Fonte: Jornal do Brasil – edição impressa do Rio de Janeiro de segunda-feira, 06 de agosto de 2007. Página: Cidade – A15

3 comentários:

Rebeca dos Anjos disse...

Enxergar o negócio como algo individual é o problema. As pessoas devem ter consciência de que não se prospera por muito tempo quando tudo em volta não prospera junto.
Colocar a culpa naqueles que estão à margem, além de ser uma desumanidade, pode ser avaliado de forma prática e bem fria como ineficiência, falta de visão e até como má gestão.

Excelente isso de colocar aqui questões como essa que são expostas pela mídia de um jeito que quase ofusca o raciocínio.

Beijos!

ludmilesca disse...

De fato, um pavor.

Mas essa já é ideologia de poeira que já baixou.

Imagina, se isso está num jornal, que se pretende objetivo, quer dizer que este tipo de coisa já foi obejtivado como o único olhar que podemos ter do real e vira comum a todos este pensamento.

E isso é muito bizarro, pq tá nos discursos de todos, a "esterelização" da pobreza. Esconder p não resolver.

O empírico disse...

Eu tb li essa matéria e senti uma revolta semelhante... É absurdo como tudo aquilo que sai da esfera de realidade do indíviduo se mistura em um todo que se aspira ou se despreza...

A diferença entre a Siri(BBB) e o catador de lixo é só o lugar onde as câmeras miram...

De resto tudo é tudo e resto é resto...

Triste